quinta-feira, 23 de abril de 2009

Livro , objeto do desejo do Leitor


As considerações aqui traçadas referem-se ao livro que circula e é comercializado no denominado ‘mercado livreiro’, excluídos desse cenário de comentários e observações os livros didáticos e paradidáticos, que têm mecânica e dinâmica próprias de circulação e difusão.


Não se pode pensar, falar, fazer, editar e publicar __ inclusive ler __ literatura, ficcional e não-ficcional, no Brasil sem se levar em consideração o fato de que é veiculada por meio de um objeto denominado Livro. O objeto-livro circula de maneira limitada e deficitária, numa média de 2 mil exemplares (cada edição) num país de 180 milhões de habitantes. No melhor dos casos, 10 a 12 mil exemplares ( cinco ou seis edições sucessivas) circulam pelo país no correr de quinze anos, podendo o total de leitores ser calculado na base otimista de 80 a 100 mil. A proporção de 100 mil leitores para 180 milhões de habitantes é deprimente e seria erro crasso e grosseiro imaginar e desejar que um texto literário atinja diferentes camadas sociais .
Por outro lado, constata-se por números e pela realidade do mercado que o leitor brasileiro mantém contato direto e permanente com obras estrangeiras, de quase todos os gêneros. Pesquisas e análises confirmam que o leitor brasileiro é pouco, ou quase nada, xenófobo e agrada-lhe uma certa generalidade/diversidade temática (muitos chamam de “globalismo”). Por essa ausência de xenofobia e exigência de universalismo , de um lado o livro estrangeiro tem melhor mercado que o nacional entre nós e, por outro, ainda não tivemos sucesso internacional com nossa produção — mesmo considerando primeiro José Mauro de Vasconcelos, depois Jorge Amado, e agora Paulo Coelho.
Pode-se dizer que o livro no Brasil é um “luxo” Objeto caro, por um lado; um tanto quanto "difícil" por circular num país de analfabetos ou semi-analfabetos; marginalizado numa nação onde tudo é feito para incrementar os meios de comunicação de massa e nada para incentivar a rede de bibliotecas, prejudicado (para uns, “sabotado” mesmo) quando ameaça expandir seus horizontes e searas e arrebanhar outros leitores que não os seus 80 ou 100 mil.
O autor não pode escolher seus leitores. Estes é que determinam que autores e obras vão escolher, comprar e ler. O escritor brasileiro faz o livro que vai ser escolhido (ou eleito) pelo leitor —e antes de mais nada terá de agradar ao gosto refinado, cosmopolita e auto-suficiente dos “incluídos e bem assentados”. O que existe é um público-leitor reduzidíssimo, ao mesmo tempo sofisticado, conservador , cosmopolita, imediatista e ‘avoado’ (o que leva os autores também a sê-lo, em seus textos,ficcionais ou não). Público-leitor que hoje vive predominantemente na grande metrópole de ritmo vertiginoso, tensa e trepidante, dedicando esse leitor muito maior aceitação, na ficção, às narrativas curtas (o conto, a crônica) e na não-ficção aos textos ligeiros, superficiais ( coletâneas de artigos antes vistos na imprensa, reportagens sucintas e incompletas, ensaios supérfluos e banais, manuais de “busca do prazer e onisciência e onipotência”) .
O público de literatura ficcional e não-ficcional , no Brasil, é formado por camadas mais ou menos previsíveis e semelhantes de leitores, reproduzindo-se identicamente de estado para estado. Leitores que vão desde o próprio escritor, passando pelo professor e aluno universitários (o professor indica e exige a leitura do aluno), esbarrando no crítico e no resenhista , e se espraiando aleatoriamente pelos muitos que necessitam obter uma espécie de compensação, ou bálsamo, às suas frustrações, angústias, imperfeições, a seu inconformismo individual , político e social — leitores que vivem dentro do (teoricamente) bem-estar e comodidades inerentes à classe média. O Livro é, pois, objeto de classe no Brasil, e como tal dirige-se a uma determinada e mesma classe, esperando dela aplauso e reconhecimento profundos.
Não podendo ser profissional numa sociedade em que seu produto não circula devidamente e não é rentável, em que tampouco pode crer em dispositivos estatais ou empresariais que o amparem economicamente e em que o produto estrangeiro e concorrente é adquirido com mais constância, o escritor brasileiro (claro que com raríssimas exceções, talvez só uma ou duas)dispõe apenas do que sua própria classe social lhe possibilite em termos de aceitação e vendagem de sua obra,e sobrevive apenas da remuneração de outras atividades profissionais . Auspicioso, todavia, é o fato de ser o leitor o agente decisório de uma opção pessoal, de um desejo próprio que não lhe é imposto, mesmo com uma eventual carga promocional e ‘marqueteira’ à sua volta na divulgação maciça de certas obras e certos autores.

Um comentário:

Cláudia Porto disse...

Espero ainda que o livro-objeto-arte (em conteúdos e formas) seja para as classes.