quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

SÃO PAULO, 455 anos


um 2009 que marca o centenário de morte de Euclides da Cunha, os 170 anos de nascimento de Machado de Assis,os 100 anos da publicação em livro do romance Recordações do escrivão Isaias Caminha, de Lima Barreto, os 120 anos da República inicia-se com o 4550. aniversário da fundação de São Paulo, cidade genuina e essencialmente literária como poucas do Brasil. essência


A São Paulo heterogenética
Há uma história da literatura que se projeta na cidade de São Paulo; e há uma história da cidade de São Paulo que se projeta na literatura
Antonio Candido.

São Paulo, desde seus primórdios, sempre foi pólo fundamental da literatura brasileira.E a aura do pioneirismo a acompanha até hoje — e não surpreende pois que em São Paulo tenha nascido e se manifestado um dos momentos fundamentais da história cultural brasileira , o Modernismo.
A par de outros elementos cruciais, o processo histórico de pujança, política, econômica, cultural, de São Paulo tem sua origem na tese formulada pelo historiador e ensaísta José Murilo de Carvalho, a distinguir cidades ortogenéticas __ caso do Rio do Janeiro, por exemplo __ e cidades heterogenéticas __ São Paulo como o maior exemplo —e que veio a marcar o tipo de intelectual e modo de produção cultural gerados pelas duas cidades .A ortogenética é caracterizada pela função política e administrativa, com grande peso do governo e do poder público, cidade de consumidores e não de produtores , baseada no comércio e na escravidão . A proclamação da República teria reforçado ainda mais essa função política do Rio de Janeiro, com mais intensa ainda presença do poder público, fazendo com que grande parte da intelectualidade se vinculasse de alguma forma à burocracia pública, em geral como funcionários do governo federal : e se tal fato não “introduzia necessariamente uma perspectiva governista na obra desses autores”, frisa Carvalho, “certamente constituía limitação à sua liberdade de criação”. De outro lado, a quase obrigação que se impunha ao Rio de passar a imagem civilizada do país fazia com que seus intelectuais tivessem grande dificuldade em compreender perfeitamente a realidade do País e da cidade — daí as contradições e bloqueios que se interpunham no caminho da criatividade dos intelectuais, a cidade não conseguindo produzir uma cultura moderna/modernista. Diferente de São Paulo.
A cidade heterogenética, que São Paulo exemplifica, estava fora do centro do poder político, caracterizada como cidade de produtores, com maior liberdade de criação, maior iniciativa cultural, com predomínio da atividade econômica e comercial e não política e administrativa — somado ao fato de que nunca teve grande presença escrava Em contrapartida, a intelectualidade paulista era muito menos vinculada ao Estado, e era na verdade patrocinada pela própria oligarquia local__ muitos dos intelectuais eram aliás eles mesmos membros da oligarquia. A independência em relação ao Estado lhes dava maior liberdade de criação Além disso, havia maior homogeneidade social entre a intelectualidade paulista, e isso propiciou a São Paulo maior possibilidade do que o Rio de Janeiro de desenvolver um projeto cultural ,mais consistente e ‘autônomo’ : na Paulicéia, houve “melhor condição de um trabalho intelectual em cima da realidade social concreta”.
A cidade , já natural e sequencialmente pioneira em diversas manifestações literárias — desde os jesuítas, fundadores de um colégio no Campos de Piratininga, rezada a missa de inauguração em 25 de janeiro de 1554; a elevação à categoria de Vila São Paulo de Piratininga deu-se em 1560) : não se pode esquecer que o "Diálogo sobre a conversão do gentio", de Manuel da Nóbrega, é o primeirissimo documento literário do Brasil, e o Auto da Pregação Universal, de José de Anchieta, a primeira peça encenatória)— o foi também , por exemplo, na precursora expressão poética do ‘indianismo’ no poema “Nênia” de Firmino Rodrigues Silva ; nela se deram ainda as realizações literárias iniciais de autores não paulistanos como o cearense José de Alencar, o baiano Castro Alves ,o maranhense Raimundo Corrêa ; nela o fluminense radicado Ezequiel Freire escreveu os primeiros contos de temática rural-sertaneja da literatura brasileira, depois fomentados pelo paulista Valdomiro Silveira; nela o paraense Inglês de Souza, ainda estudante , escreveu e publicou o romance que inaugurou o Naturalismo literário ; nela ocorreu o primeiro movimento literário de vulto não apenas em relação à cidade mas ao próprio País,em torno da Revista da Sociedade Filomática,em 1830,constituída na então recém-criada Academia de Direito — a primeira manifestação de brasilidade literária por sua consciência de fins e coesão de esforços renovadores: nela ocorreu a maior revolução cultural da história brasileira, o “destruidor-criador” Modernismo,irradiante e difusor de um processo de renovação e inovação por todo o século XX; nela, a São Paulo desde sempre heterogenética, assim definida pelo historiador José Murilo de Carvalho, está o que de melhor e mais criativo, afinado com a modernidade, se produz hoje na literatura brasileira.


Nenhum comentário: