sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

São Paulo 455 anos - VI (final)


A cidade diferenciada
À renovação estética modernista,na década de 1920, alia-se no decênio seguinte o ensaio de interpretação e crítica social, que tenta recontar o processo de formação histórica do País: a procura da identidade social passa igualmente pela busca premente de uma ponte entre uma completa renovação cultural e a reforma da sociedade, uma ponte entre a modernidade e a modernização do país .
O ano de 1930 é a época de instauração do Estado Novo, que se ‘apropria’ ideológica e retoricamente do Modernismo — Getulio Vargas declarava em seu discurso de posse: “As forças coletivas que provocaram o movimento revolucionário do Modernismo na literatura brasileira foram as mesmas que precipitaram no campo social e político a Revolução de 1930” (seguindo uma sugestão formulada por Cassiano Ricardo) — mas inicia um período de intensa fermentação política, social e cultural. É na primeira metade dessa década que nascem as primeiras tentativas de interpretação de conjunto da história, da economia e da sociedade brasileira.
No âmbito do surgimento e desdobramento do movimento modernista, e — não se tem como negar — como conseqüência direta do espírito deflagrado pela Revolução Constitucionalista de 1932, o ano de 1934 (há exatos 70 anos, portanto), também num dia 25 de janeiro, marcou a fundação da Universidade de São Paulo- USP, marco das ciências (exatas e humanas) — expresso no próprio brazão, “pela ciência, vencerás” — marco para o desenvolvimento brasileiro em todas as esferas e vetor de uma geração de pensadores inovadores nas ciências sociais no País : aos fundadores Armando Salles de Oliveira, Julio de Mesquita Filho,Fernando de Azevedo, Almeida Junior, Fonseca Teles, Raul Briguet, André Dreyfus, Vicente Ráo,Antonio Candido, Florestan Fernandes, Ruy Coelho,Cruz Costa, Lourival Gomes Machado, Eurípides Simões de Paula, Eduardo França, sucederam Sergio Buarque de Holanda, Paulo Prado, Caio Prado Junior, Fernando Henrique Cardoso , entre muitos outros— e em especial os professores recrutados no exterior, ainda em 1934, por Teodoro Ramos para organizar os cursos de Filosofia, Ciências e Letras, o núcleo central da Universidade, e que se tornaram elementos fundamentais na formação do pensamento científico brasileiro : entre outros,os franceses Roger Bastide, George Dumas,Paul -Arbusse Bastide, Pierre Deffontaine, L. Garric, Pierre Monbeig, Jean Maugue, Fernsnd Braudel, Claude Lévi-Strauss (cuja estadia no Brasil gerou a célebre obra Tristes trópicos); os italianos Giuseppe Ungaretti, Luigi Calvani, Francesco Piccolo, Vittorio de Falco: os portugueses Rabelo Gonçalves, Urbano Canuto Soares, Fidelino de Figueiredo; os alemães Ernest Breslau, Heirich Rheinboldt, Felix Rawitscher, Henrich Hauptman.
Sobretudo a prosa literária se desenvolve, ficcionalmente no romance e no conto, que retratam decadência da aristocracia rural, a formação do proletariado urbano, a luta do trabalhador, o êxodo rural, as cidades em rápida transformação — os cenários para a expansão e proliferação dos ensaios de interpretação do País, de Gilberto Freyre , Paulo Prado (Retrato do Brasil), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) ,Caio Prado Júnior (Formação do Brasil contemporâneo), todos lastreados pela ‘índole’ modernista em busca da síntese explicativa dos múltiplos aspectos da vida social brasileira e de seu desenvolvimento histórico.
Acima de tudo um processo de mudança cultural geral e não exclusivamente um movimento estético, em direção a uma nova reconstrução sócio-política da identidade nacional, o Modernismo “difunde-se no tempo, balizando grande parte dos sequentes debates intelectuais, espalha-se no espaço, o poderoso ímã da literatura interferindo com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil, como elemento de ligação entre a pesquisa puramente científica e a criação literária, dando, graças ao seu caráter sincrético, uma certa unidade ao panorama da nossa cultura” (Antonio Candido,Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, 1985 )
Irradiante , difuso e difusor, o Modernismo modelou substancialmente a literatura brasileira no século e desdobrou-se pelas décadas seguintes em irreversível processo de amadurecimento : uma terceira fase do movimento,na busca de uma nova linguagem, que expressasse os anseios de renovação do pós-guerra, veio na denominada “geração de 1945” — as preocupações políticas, ideológicas e culturais em segundo plano, privilegiando a estética, a linguagem, a forma e o rigor do texto — depois, na Poesia Concreta— “refletindo,na forma e no conteúdo, as mudanças ocasionadas pela acelerada industrialização, captando e transmitindo a realidade urbana, a poesia lírica e intimista substituída pela ‘concretude’ das palavras em seu aspecto semântico, sonoro e visual” —da mesma forma na Poesia-Práxis —por “uma poesia dinâmica, que pode ser transformável pela interferência ou manipulação do leitor, em reação ao formalismo dos concretos, e retomando a importância do conteúdo”.
A intensificação acentuada dos traços modernistas na narrativa em prosa, caracterizada por novas formas de linguagem , ora intensa e ágil, ‘cinematográfica’ , ora densa e introspectiva, ‘filosófica’ ,e pela preponderante ambiência urbana retratando “a vivência vertiginosa nas grandes cidades”, confluiu no último decênio do século XX e no despontar deste Terceiro Milênio para o irreversível despontar de uma nova geração de escritores, que abre espaço na literatura brasileira com uma marcante característica vetorial : o deslocamento maciço do eixo principal da nova criação literária para São Paulo.
Na cidade,os novos e novíssimos ficcionistas exercem sua prosa “de estrutura desconstrutivista , subversiva da linearidade, de narrativa fragmentada, quebradiça, de temática citadina, com os elementos da urbanidade pós-moderna , as tensões sociais e os conflitos individuais, o envolvimento pela violência urbana , os impasses existenciais — fomentando uma produção literária como não é feita em nenhuma outra cidade do País.
A São Paulo heterogenética continua abrigando escritores, naturais ou imigrantes, paulistas ou radicados, que produzem uma literatura ímpar, diferenciada, atualizada com os elementos da realidade, afinada com a modernidade, determinante — hoje como ontem, e desde sempre — da própria cultura brasileira.

Os pós-modernos
pelo Modernismo formados e inspirados
Na esteira das inovações temáticas, formais e estilísticas , os ecos ainda de 1922 estenderam –se pelos sedimentadores, na prosa e no verso, de uma ficção predominantemente urbana — Orígenes Lessa ,Dinah Silveira de Queiroz, Mario Donato ,Lygia Fagundes Telles (proeminente figura da “geração de 1945”, com sua ficção intimista, reveladora da alma humana), Ruth Rocha,José Geraldo Vieira ,Hilda Hilst, Zulmira Tavares Ribeiro , Menalton Braff, João Silvério Trevisan ,Rodrigo Lacerda,Marcia Denser ,,Patricia Melo,Osman Lins , Stella Carr , Edla Van Steen , Mauro Salles, Péricles da Silva Ramos, José Paulo Paes ,Augusto Massi, Paulo Bonfim — “(...) emérita cidade de São Paulo/mãe branca, mãe indígena, mãe preta/ velai por nós !” — Alberto da Costa e Silva ,Regis Boinvicino ,Orides Fontela ,Roberto Piva ,Dora Ferreira da Silva ,Neide Archanjo — e também de ambiência rural, interiorana— Raduan Nassar — todos contemporâneos dessa pungente modernidade que nos cerca.
E neles, os cronistas da cidade : Afonso Schmidt, Flávio de Campos, Galeão Coutinho ,João Antonio, Ignácio de Loyola Brandão, Marcelo Rubens Paiva, Marco Rey, Lourenço Diaféria
Irradiaram-se na poesia-praxis de Domingos Carvalho da Silva , Mario Chamie ; no Concretismo de Haroldo de Campos ,Augusto de Campos , Decio Pignatari . A seara teatral foi aquinhoada pelas excepcionais criações de Jorge de Andrade ,Plínio Marcos , e pelos estudos e reflexões de Decio de Almeida Prado ,Sábato Magaldi , Jacob Grinsburg .
Na contemporânea São Paulo, precursora e pioneira desde sempre, floresceu o mais influente e avançado pensamento social brasileiro — o relato histórico, o ensaismo , a filosofia, executados por “pais, ‘príncipes’ e corifeus das ciências sociais”,e pelos atuais epígonos da crítica cultural : de Rodrigo Otávio, Eduardo Prado, Alfredo Pujol, Afonso de E. Taunay (autor das fundamentais São Paulo nos primeiros anos; História seiscentista da vila de São Paulo; Non Ducor,Duco- Notícias de São Paulo,1565-1820) ,Paulo Prado , Sérgio Milliet ,Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior ,Fernando Azevedo, Cândido Mota Filho, Plínio Barreto , Paulo Duarte, João de Scantimburgo, Antonio Candido
E Miguel Reale , Florestan Fernandes ,Fernando Henrique Cardoso , Paul Singer, José Arthur Giannotti, Francisco Rodrigues, Milton Santos, Aziz Ab’Saber, Roberto Schwarz, Alfredo Bosi ,David Arrigucci Jr. ,Leyla Perrone-Moysés ,Walnice Nogueira Galvão , Roberto Ventura ,Marilena Chauí ,Boris Schnaidermman ,Marilena Chauí , Renato Janine Ribeiro,Boris Fausto, Dalmo Dallari, Fabio Konder Comparato .
Assiste-se hoje, de um lado, o despontar , de outro a confirmação dos talentos natos da pós-modernidade— novos e ‘novissimos’ autores, ficcionais e não-ficcionais, impregnados de uma qualidade ímpar na literatura brasileira : Bernardo Alzenberg ,Bernardo Carvalho ,José Roberto Torero ,João Anzanello Carrascoza ,Betty Milan , Marcelino Freire, Nelson de Oliveira ,Marçal Aquino , Fernando Bonassi, Marcelo Mirisola , Cadão Volpato , André Sant’Anna. E com eles, as “mulheres de hoje”, criadoras de uma escrita femininamente universal : Julieta de Godoy Ladeira ,Ida Laura ,Fulvia Carvalho Lopes ,Lucia Helena Fleury.

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