quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

São Paulo, 455 anos - II


A cidade pioneira
A par da própria fundação da Vila São Paulo de Piratininga, a existência literária da cidade teve na instalação da Companhia de Jesus e no movimento de catequese seu impulso original , por meio de obras de caráter ‘semiliterário’, destinadas precipuamente a desígnios pedagógicos e ecumênicos. O conjunto dos primeiros textos escritos no Brasil, produzidos no período imediatamente posterior à chegada dos portugueses, em 1500, até o ano de 1601, é conhecido como "literatura de informação", "textos de informação" ou "primeiras manifestações literárias" __ termo escolhido para se referir a essa produção do período formativo, anterior à constituição de uma literatura brasileira. São obras de reconhecimento e valorização da terra escritas por jesuítas, viajantes estrangeiros e colonizadores portugueses encarregados de enviar relatos sobre a nova terra ao rei de Portugal. Se hoje existe uma visão crítica do que significou o ‘descobrimento’ do Brasil e o decorrente processo civilizatório , não se pode negar que os textos produzidos naquela época são o melhor testemunho não apenas dos eventos que deram origem ao que se tornaria o Estado brasileiro, mas que principalmente revelam o pensamento político e religioso que estava na base de todo o colonialismo.
Nessa fase em que a literatura colabora para a consolidação da conquista do território e do domínio português, o mesmo interesse "desbravador" une leigos e religiosos nos primeiros registros escritos sobre a nova terra, chamada Terra de Vera Cruz, Santa Cruz, dos Canibais, do Pau-Brasil, entre vários outros nomes.Ao lado de cronistas e viajantes __Pero Vaz de Caminha, Pero de Magalhães de Gandavo , Gabriel Soares de Sousa,Ambrósio Fernandes Brandão, além das narrativas de viajantes franceses e alemães, como de Jean de Léry e Hans Staden __os jesuítas foram os autores mais assíduos da época. Chegados ao Brasil em 1549,chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, imbuídos da missão de catequizar o indígena, desempenharam papel crucial no início da organização da vida administrativa, econômica, política, militar, espiritual e social durante os primeiros anos da colonização.
“Os documentos jesuíticos não são apenas história do Brasil: são essenciais à ética brasileira.” (Afrânio Peixoto,in “Introdução" a Cartas do Brasil, de Manuel da Nóbrega)
A maior significação da obra dos jesuítas no Brasil reside na heróica tentativa, nos séculos XVI e XVII, de contestar o tipo de sociedade em vias de formar-se, substituindo-a por um modelo teocrático de civilização, sem escravos, nativos ou importados. Os jesuítas__ em sua dupla atividade na Colônia: de magistério e de catequese(o índio como a matéria-prima de uma nova sociedade)__ tinham um projeto para o Brasil__ i.e. sem o objetivo de fazer da colônia uma simples máquina de alimentação de necessidades exteriores a ela.O insucesso do projeto jesuítico no Brasil Colônia explica por que a primeira manifestação literária brasileira __ a literatura dos catequistas, a primeira literatura feita para o Brasil __ ficou sem sucessão histórica e perdeu a consistência de registro historiográfico perene.
É consensual ,aliás, que as manifestações literárias, ou de tipo literário, se deram no Brasil até a segunda metade do século XVIII sob “o signo da religião e da transfiguração”—— a religião como a grande diretriz ideológica, justificativa da conquista, da catequese, da defesa contra o (outro) estrangeiro, da própria cultura nacional que se pretendia implementar : nela se abriga toda a obra de José de Anchieta e muito dos escritos epistolares de Manuel da Nóbrega ; pela transfiguração, o “espírito culto exprimindo uma visão da alma e do mundo, em caprichoso vigor expressivo, manto rutilante a interpretar a realidade” , vieram a poética de Alexandre de Gusmão, o romanesco de Teresa Margarida Orta, as elucubrações ensaísticas de Matias Aires, já no século XVIII.
A rigor, a literatura de São Paulo passa a existir tal como “sistema orgânico articulado, de escritores, obras e leitores, reciprocamente atuantes na formação de uma tradição literária” , somente após a Independência (da mesma forma, aliás, que toda a literatura brasileira) e em especial depois da Faculdade de Direito — embora já nos primeiros tempos se manifestassem alguns elementos incipientes ; mas aquela concepção de literatura como forma de ‘integração, reciprocidade de estímulos e intercâmbio’ esboça-se claramente nas relações da produção de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar de Madre Deus e Claudio Manuel da Costa — os dois primeiros viventes em São Paulo,este em Ouro Preto,Minas Gerais, mas ‘aproximados’ na Academia Brasílica dos Renascidos, núcleo e nicho de uma consciência literária comum : os três foram os primeiros a dar expressão intelectual a um certo sentimento ‘localista’ dos naturais de São Paulo, materializada essa expressão intelectual comum na Nobiliarquia paulista, de Taques, nas Memórias para a história da capitania de São Vicente, de Frei Gaspar, no poema épico “Vila Rica”, de Claudio Manuel da Costa.
O século XIX, por sua vez, marca a primeira clivagem consistente de expressão literária.O retrato da História exibe, por exemplo, a importância capital da Academia de Direito, criada em 1828 (posteriormente denominada Faculdade) na convivência acadêmica que propiciou a formação de agrupamentos de estudantes, com idéias estéticas, manifestações literárias e expressões próprias — deflagrando um processo vigoroso de efervescência intelectual que passou a agitar intensamente a pequena cidade de então,intensificado por volta de 1830, em torno da Revista da Sociedade Filomática,que viria a desempenhar papel decisivo na literatura em São Paulo: constituíram, a revista e seus membros, o primeiro movimento literário de vulto não apenas em relação à cidade mas ao próprio País .E foi essa comunidade estudantil que iria receber em seu meio jovens impregnados de igual fervor , imbuídos do “entusiasmo da construção literária” — que foi a mola propulsora do Romantismo — como José de Alencar, Olavo Bilac, José Bonifácio o moço, Teófilo Dias, Aureliano Lessa, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, vindos do Rio de Janeiro , de Minas Gerais, de outros lugares ,para cursar a faculdade.
Ainda que se reconheça as limitações quantitativa e qualitativa da produção desses estudantes, não há como negar que estabeleceram a literatura como atividade presente na comunidade paulistana. Deu-se por ela a primeira manifestação de uma vertente poética considerada “o início da escola brasileira” : o indianismo, desenvolvido na obra de Gonçalves Dias, mas praticado pioneiramente no poema “Nênia”, de Firmino Rodrigues Silva, composto entre as arcádias da Academia de Direito. E exercido ainda de forma pioneira em 1844, três anos antes do Primeiros cantos , de Gonçalves Dias, em “Cântico do tupi”, “Imprecação do índio” e “Prisioneiro índio”, do Barão de Paranapiacaba. Evidencia-se pois que quando Dias dominou o meio literário brasileiro, a poesia indianista ——base da obra do maranhense —— já existia e era praticada em São Paulo. Nada mais condizente com a realidade o fato de nela ter se manifestado as primeiras expressões do indianismo — pois a presença de índios, os tupiniquins, era acentuada na cidade: eram eles trabalhadores braçais, operários de construção, transportadores, agricultores ; e até meados do século XIX falava-se tupi tanto quanto o português.

Os fundadores, nativos, precursores
são eles,
José de Anchieta; Manuel da Nóbrega
Alexandre de Gusmão
Matias Ayres
Tereza Margarida da Silva e Orta
Pedro Taques de Almeida Paes Leme
Frei Gaspar da Madre de Deus
José Bonifácio de Andrade e Silva
Adolfo de Varnhagen
Firmino Rodrigues da Silva
Álvares de Azevedo
Paulo Eiró
Venceslau Queiroz
Vicente de Carvalho
Batista Cepelos
Francisca Julia
Amadeu Amaral
Sylvio Floreal
Juó Bananère
Rodrigues de Abreu
Alcântara Machado

Nenhum comentário: