sábado, 18 de outubro de 2008

Por que esquecer deste centenário ?


Assim como Machado de Assis, Arthur Azevedo também morreu no ano de 1908, a 22 de outubro .

Multi-criador de contos, crônicas, poesias, traduções, revistas, comédias, paródias e críticas, não há como deixar de ser considerado como um dos maiores escritores brasileiros , não pela quantidade mas pela qualidade, com textos plenos de humor e ironia, escritos em estilo simples, despojado e fluente, a revelarem o cotidiano carioca do final do século XIX e em especial retratarem uma cidade e uma sociedade em plena mutação.
Nascido em São Luís, MA, em 7 de julho de 1855, vindo para o Rio de Janeiro em 1873, fez-se, jornalista, cronista, poeta, teatrólogo – a partir do grande êxito obtido por sua primeira peça teatral “Amor por anexins”,escrita aos 15 anos – e contista,dos melhores da literatura brasileira . No jornalismo , projetou-se como um prodigioso criador literário :fundou publicações literárias, como A Gazetinha, Vida Moderna e O Álbum ; colaborou em A Estação, ao lado de Machado de Assis
, e no jornal Novidades, junto com Alcindo Guanabara, Moreira Sampaio,Olavo Bilac e Coelho Neto ; a partir de 1879 dirigiu, com Lopes Cardoso, a Revista do Teatro. Foi um dos grandes defensores da abolição da escravatura, em seus ardorosos artigos de jornal, em cenas de peças dramáticas como “O liberato” e “A família Salazar”, esta proibida pela censura imperial e publicada mais tarde em volume, com o título de O escravocrata. Escreveu mais de quatro mil artigos sobre eventos artísticos, principalmente sobre teatro, nas seções que manteve em O País ("A Palestra"), no Diário de Notícias ("De Palanque"), em A Notícia (o folhetim "O Teatro"). Multiplicava-se em pseudônimos: Elói o herói, Gavroche, Petrônio, Cosimo, Juvenal, Dorante, Frivolino, Batista o trocista, e outros. O teatro de Arthur Azevedo -- cerca de uma centena de peças de vários gêneros e mais de 30 traduções e adaptações livres de peças francesas, encenadas em palcos nacionais e portugueses -- fixou como nenhum outro a vida e a sociedade cariocas, constituindo-se suas peças como verdadeiros documentários sobre a evolução da então capital brasileira. Como poeta, foi um dos representantes do Parnasianismo, na verdade apenas por questão de cronologia, por pertencer à geração de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Bilac, pois era um poeta lírico, sentimental, com sonetos perfeitamente dentro da tradição romântica.
Importante assinalar o quanto Arthur Azevedo, assim como Machado, pressentiu e colocou em suas obras, quer contísticas quer teatrais quer croniquescas, as incisivas transformações pelas quais passava a sociedade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX -- transformações políticas,econômicas,urbanas, manifestas inclusive nos comportamentos sociais e na própria literatura , na qual a ‘ideologia’ romântica, característica do Romantismo expresso sobretudo por Macedo e Alencar , dava sinais de esgotamento , o eixo da vida social e mesmo conjugal deslocando-se para fora do lar, a rua tornando-se o ambiente primordial da narrativa e da temática quer ficcional quer não-ficcional. Tais mutações foram exemplarmente entrevistas e assimiladas por Arthur Azevedo em suas peças, suas crônicas e especificamente em seus contos, impondo em todos os textos,em maior ou menor grau, a transformação da perspectiva romântica em realista – no caso de Azevedo, condimentada esta por irresistíveis doses de humor,ironia e sátira..
Incansável ‘hiper-ativo’, Arthur Azevedo constituiu-se no tradutor perfeito de uma cidade não apenas em acelerada transformação mas em vertiginosa ebulição . E tem ele no leitor um interlocutor que também freqüenta as ruas e conhece o cenário, as ocorrências, os personagens, os enredos – e dessa interação origina-se, nasce, forma-se, consolida-se e sedimenta-se sua obra. Nela, o habitante da cidade é retratado em toda sua dimensão humana, inclusive em sua perplexidade e confusão ante os novos tempos e espaços que se abrem e se transmutam , ante as novas relações sociais e comportamentais que se estabelecem com a República.
Os textos ficcionais e não-ficcionais de Arthur Azevedo na verdade constituem um significativo painel da própria sociedade brasileira de seu tempo, envolvendo diversos gêneros e criando novas possibilidades de criação literária ; forneceu a matriz para uma espécie de contística carioca – os contos eram até mais populares que os de Machado de Assis na mesma época -- pois a caracterização dos personagens é sempre de forma a construir o perfil do habitante e da cidade : de suas páginas sai uma completa galeria dos tipos urbanos pitorescos. Seus contos são considerados os introdutores das classes médias na literatura nacional ; a oralidade tem papel preponderante nas narrativas -- todos seus escritos ,a rigor, se aproximam da representação de uma comédia, muitos dos contos são piadas transcritas (“Sou um contador de histórias e tenho que inventar um conto por semana”). Namoros, os casamentos arranjados por conveniência, os desentendimentos conjugais, as relações de família ou de amizade, as cerimônias festivas ou fúnebres, tudo o que se passava nas ruas ou nas casas lhe forneceu assunto para as histórias.
Embora escrevendo contos desde 1871, só em 1889 animou-se a reunir alguns deles no inaugural Contos possíveis, dedicado a Machado de Assis, que então era seu companheiro no Ministério da Viação (e um de seus mais severos,embora amigáveis, críticos). Seu bibliográfico contístico reúne Contos possíveis (1889); Contos fora da moda (1894); Contos efêmeros (1897); Contos em verso (1898); e postumamente Contos cariocas (1928); Vida alheia (1929); Histórias brejeiras (1962).
Contos efêmeros é a última coletânea de Arthur Azevedo publicada em vida - originalmente em 1897[Typographia C.R.C.] - e a única entre elas não reeditada. Mais de um século depois, a coletânea será publicada,por Edições Loyola\editora PUC-Rio, no início do ano de 2009 , com organização,estudo crítico e notas de minha lavra . Contos efêmeros é considerado um dos mais emblematicamente representativos conjuntos de contos de Arthur Azevedo e de sua verve ficcional carregada de humor,sátira e crítica : abriga 32 contos alguns deles tão populares como o celebrado “O plebiscito” (que faz parte de Contos fora da moda ): caso de “A dívida”, “O númbaro” [ambos em apêndice], “Sabina”, “A sorte grande”, “Confissão de uma noiva”, “No bonde”, “O Gomes”, “Vi-tó-zé-mé”, e outras dentre as saborosas histórias que o fecundo e bem-humorado Azevedo criou para a posteridade.
Sobre Contos efêmeros, assim se pronunciou Raul Pompéia, em O Farol, 1897 :“(...) variam os gêneros, sim, varia a maior ou menor importância ligada ao assunto em momento de escrever; mas, apesar disso, apesar das diferentes épocas a que são atribuídos, os contos, o processo comum da frase, a preferência dos assuntos, o capricho da surpresa final, o pensamento humorístico encerrado como moralidade da fábula, adotadas as atenções convenientes ao assunto, ora grave, ora alegre, ora rasgadamente burlesco, constituem, do princípio ao fim do livro, uma demonstração indiscutível de unidade genésica. [...] O que fica fora de dúvida é que os Contos efêmeros fazem um livro de primeira ordem, a mais interessante das leituras e um dos mais belos títulos de orgulho da atualidade literária."

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