sexta-feira, 26 de junho de 2015
MACHADO DE ASSIS, ‘PLAGIADOR’...
Vez Vez por outra – e o pior é que se repete – e ao mesmo
tempo tema de diálogos com estudiosos literários[ ontem
mesmo mantive um, via hangout, com interlocutores acadêmicos na Inglaterra],
ressurge, qual uma ‘sombra das cinzas’, um assunto ou tópico que se não for
devidamente esclarecido e repelido acaba tornando-se recorrente na apreciação
da obra de Machado de Assis: o propalado (equivocado) ‘plágio literário’ que
ele teria praticado em algumas de suas produções.
________
Para começo de conversa : ‘plágio’ – com ou sem aspas
– é inerente ao próprio modus operandi do fazer literatura,
comum a todo escritor, no sentido de apropriação de temas e de formas, estilos,
linguagens, de uns por outros, apropriação (consentida, benfazeja, alvissareira
– digo eu) de resto inserida, integrada e abrigada sob o moderno conceito de
intertextualidade, praticada no melhor
de sua concepção teórica e prática e sua
essência, como ninguém na literatura brasileira oitocentista, por Machado : reitero tal e não me canso de
sustentar (em artigos, palestras, na obra ora finalizada “A formação literária de Machado de Assis:
fontes para biografia literária”). Em Machado, apropriações, ou – vá lá,
‘plágios’ [sic]- se dão efetiva e
concretamente, em especial com relação a obras, textos e autores estrangeiros,
com os quais estabeleceu relações,
correlações,interações e interatividades, por eles influenciado e formado,
incorporando-os em seus escritos, com eles estabelecendo e redimensionando
intertextualidades, poucas vezes
anotadas na historiografia literária, e que constituíram-se em
sólidos alicerces de sua formação literária e intelectual.
Só que... neste particular (qual antecipador da
antropofagia modernista de 1922 : reporte-se a Oswald de Andrade et allii), Machado assimilou-os ,
‘deglutiu-os’, ‘digeriu-os’ e os incorporou à sua obra, sua escrita e sua linguagem literária, dotando estas ao mesmo tempo (como sabemos)
de brasilidade e universalidade, de localismo e universalismo – binômio sob o
qual e com o qual construiu sua obra.
E nessa
apropriação ‘antropofágica’ de autores e obras , quer brasileiros quer
estrangeiros, Machado redimensionou a antiga técnica do aemulatio, em seu mais lídimo sentido, o de definir e passar a ter
autores como mestres (os denominados auctoritas),
retomando-a e atualizando-a com outras implicações e injunções, inclusive sob os modernos conceitos de
intertextualidade.
Em Machado, o aemulatio,, simbiose do imitatio e do creatio -- imitatio
que não pode, em hipótese alguma, ser tratado como plágio ou cópia : até porque tem vínculo com o creatio, e no caso de
Machado com o recriar -- revela-se e
expressa-se do mesmo modo em sua
atividade de (notável, esmerado) tradutor (inclusive antecipador de
contemporâneos e modernos conceitos e práticas de Teoria Literária e Literatura
Comparada).
Então : a formação intelectual e as constituição, produção e vida
literárias machadianas -- processada e realizada, mister observar, paralela
e concomitantemente a notórias e inevitáveis referências brasileiras ( foi o
primeiro e único, em sua época, a referenciar, aludir e refletir sobre os
escritores nacionais seus contemporâneos) – deu-se de modo e escala intensos e precípuos sob a
órbita, égide e approach de influências e orientações estrangeiras, a saber, franceses, portugueses, ingleses,
alemães, gregos, latinos, espanhóis e italianos -- notadamente (como sempre enfatizo e
difundo) os portugueses, de marcante
relevância, por seus autores e obras
lidos e consultados por Machado, aqueles que com ele conviveram no Rio de
Janeiro, aqueles intensamente citados, referenciados em sua obra, absolutamente decisivos na vida, quer
pessoal, social e conjugal, quer intelectual, em suas formação e constituição
literárias e em sua obra, na edificação de sua linguagem, sua escrita e estilo
narrativo, e em seu embasamento político-ideológico-filosófico.
Todo o recolher, assimilar e incorporar de autores, obras
e textos de outras nacionalidades, devidamente ‘deglutidos’, comungadas com a
incorporação de referências brasileiras assimilando-os
à suas formação e produção literárias, perfeitamente integrado aos mais lídimos conceitos de
intertextualidade – e que não restem dúvidas ou restrições a respeito :
abandone-se de vez essas ruminações acerca de ‘plágios’... – alicerçaram sua
formação literária e intelectual, em decorrência desta e a ela integrada, sua
notável ação informativa e formativa de leitores, de seu tempo, dos períodos
sequentes, de hoje, de sempre, e constitui-se
inquestionavelmente nos sólidos alicerce e vetor de sua grandiosa obra
literária.
M.R.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário