domingo, 21 de dezembro de 2014

2014, UM ANO DE ‘ENTRADAS NA POSTERIDADE’—III

As outras facetas de Coelho Neto
Coelho Neto (1864-1934) abriga duas marcas de efemérides, neste 2014 : sesquicentenário de seu nascimento (1864), 80 anos de morte (1934).
* [por essa dupla significância, publico pela Academia Brasileira de Letras a coletânea de contos , na verdade quase crônicas, A cidade maravilhosa, rigorosamente a última obra ficcional do escritor, de edição original pode-se dizer rara pois publicada apenas em 1928; do mesmo modo, algo inusitada, pois revela em Coelho Neto um afastamento definitivo das linhas do naturalismo e do regionalismo que conferiu e com as quais pautou e pontuou os contos escritos em períodos e fases imediatamente anteriores a estes: nos contos denotam-se nitidamente, uns mais outros menos, claros vieses e cunhos essencialmente reflexivos, mais discursivos e dialéticos e menos descritivos, sob um fluxo algo filosófico de expressão e formalização de pensamentos, interpretações, especulações intelectuais -- ainda que exibam e sejam permeados por manifestações do ‘parnasianismo’ marcantes genericamente de sua escrita , desde sempre ].

Ao pesquisar e estudar Coelho Neto para o livro que publiquei em 2010, acerca do antagonismo com Lima Barreto, já tivera a atenção despertada – sem poder então dedicar-me e aprofundar-me nisso – para as crônicas do escritor, bem mais conhecido (e pouco valorizado) por romances,contos,teatro e mesmo artigos na imprensa pautados, pelos estilo e escrita que tão ‘ácidos’ comentários críticos,desairosos mesmo, provocaram p. ex. em Lima Barreto durante a ‘convivência’ dos dois – década de 1910 (e os dois primeiros anos dos 20,uma vez Lima ter morrido em 1922) – nos modernistas,a partir da década de 1920, e nos analistas e leitores de hoje.

O que pouco, muito pouco se conhece – até porque raramente divulgado e estudado—é justamente o Coelho Neto cronista, ‘fértil’ cronista diga-se, pois bastante alentado o acervo de sua produção em jornais e revistas ao longo de quase 50 anos.
E o que menos,muito menos ainda se sabe, é o quanto ,e como, Coelho Neto tratou, em determinadas séries de crônicas, da... política de seu tempo. Registrou e legou importante testemunho textual sobre momentos e processos de grande importância na história brasileira do final do século XIX e primeiras décadas do século XX – e relevante observar : face a seu grande poder de comunicação,por via de uma linguagem assimilável pelo leitor e mercê do prestígio que foi angariando no decorrer dos anos, procurou levar a camadas de público normalmente distantes dos fatos políticos não apenas registros e retratos mas sobretudo comentários pessoais sobre a realidade então vigente. Coelho Neto, a propósito, expressou em entrelinhas logo na primeira das séries seu entendimento de que somente pela crônica – deixava então de se dedicar apenas à ficção (antes, publicara alguns contos no mesmo veículo no qual se iniciaria na crônica) poderia levar a literatura a “um meio despreparado para recebê-la e entendê-la,face ao atraso e ignorância de um público distante das letras” [sic], ao mesmo tempo fazendo da crônica um canal direto de intervenção social. .

Basicamente, são quatro os conjuntos cronísticos nos quais Coelho Neto tratou de temas e questões políticas poemas e contos de verdadeiros libelos contra a escravidão e a favor da República: a par de muitas considerações e apreciações passíveis – e necessárias – de a eles se fazerem, esses conjuntos cronísticos , com seus respectivos enfoques político e social , afastam-se sensivelmente das características mais marcantes da prosa de Coelho Neto.

De um modo geral, os estudiosos da literatura brasileira concordam em que ninguém como Coelho Neto encarnou “mais dramaticamente” o problema da forma. Romântico por inclinação e formação natural, realista em algumas obras, simbolista em outras, sobretudo parnasiano na essência da maioria de seus escritos, a Coelho Neto na verdade nunca faltou capacidade criadora, mas ele próprio a relegou a segundo plano em sua obsessão da escrita de efeito, obsessão que o levou a procurar seguir todas as correntes literárias das épocas em que viveu : somente no fim da vida rebelou-se contra a moda e os modismos.
Coelho Neto incorporou e personificou como nenhum outro múltiplas, e indubitavelmente conflitantes, características e propósitos , “querendo ser primitivo e heleno, colher motivos em lendas nórdicas e orientais, exprimir a natureza de sua terra e a gente contemporânea, fazendo isso tudo menos por curiosidade intelectual do que pelo prazer de ouvir soarem vocábulos exóticos ou onamotopaicos”, sentenciou Lúcia Miguel Pereira.
Por força do culto ao virtuosismo, “deixou-se dominar pela palavra, em lugar de dominá-la”,observou ela em artigo publicado na Gazeta de Notícias, de 9 de dezembro de 1934, exatos 10 dias depois da morte do escritor : “Sua obra visava à fruição estética e, mesmo quando incluía um conteúdo social pendia para o artificialismo, porque tomou o meio pelo fim, confundiu expressão e idéia; suas fases prolixas, difusas, onde a função do adjetivo é muito mais importante que a do substantivo, revelam a tendência a impressionar-se excessivamente com os detalhes, a sentir mais o aspecto exterior das coisas que a sua essência, ao mesmo tempo em que seus vocábulos raros traduzem o gosto pelo bonito, pelo brilhante; a força interior, a obedecer enfim a todas as exigências da moda”.

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