quarta-feira, 23 de abril de 2014
Shakespeare, Cervantes, Machado de Assis
hoje, 23 abril, é data
histórica – para muitos, a Data Magna – da Literatura : primeiro, em 1564 – há
exatos 450 anos, portanto [e as comemorações estão todas concentradas nesse
teor] – nascia William Shakespeare, muito mais do que o maior escritor da
língua inglesa e o maior dramaturgo de todos os tempos : tão grandioso e
incomparável que é, personaliza a própria essência da Cultura universal, do
próprio pensamento intelectual do Ocidente- da literatura, da filosofia, da
história, da política, da arte, das ciências humanas (vide o que dele definiu o
crítico e ensaísta Harold Bloom); e morreria na mesma data em 1616 – quando também
morreu outro dos gigantes literários e culturais da História, Miguel de
Cervantes, dado como o maior escritor espanhol e um dos maiores do mundo, autor
da obra consensualmente considerada pioneira
e criadora do romance moderno, Dom Quixote de La Mancha.
___________________
Em exercício de ilação
absolutamente coerente e condizente com a magnitude de três verdadeiros gênios
literários, desenvolvi e estabeleci em trabalhos de distintas amplitudes e finalidades – mas
tendo como denominador comum estudos de Literatura Comparada – as relações de
Machado de Assis com Shakespeare e com Cervantes.
Machado de Assis e Shakespeare --- anotações de um estudo
Aqui, apenas
algumas anotações. O estudo das relações
entre Shakespeare e Machado de Assis integram dois projetos de trabalho
mais amplos : “Machado de Assis e os ingleses”, parte do programa “Machado de
Assis e Literatura Comparada”(que inclui os franceses ;os portugueses; os
alemães; os gregos; os espanhóis – preponderantemente Cervantes -- ,italianos e
latinos; e “Machado de Assis : leitor, formador de leitores”.
O ‘bardo’ britânico foi incomparavelmente a maior influência – e
não apenas literária, mas sobretudo filosófica e até mesmo ‘ideológica’ – em
Machado : inclusive, o mais incidente
nas citações,alusões ,referências e recorrências [ a propósito : melhor e mais
apropriadamente devendo se consubstanciarem no moderno termo de intertextualidades;
constituem-se os efetivos elementos bibliográficos transmitidos e
‘transferidos’ – apropriado seria dizer `transplantados’ --por Machado a seus
leitores, com eles estabelecendo pontes e vias de interatividade e mesmo de reciprocidade, verdadeiras fontes de informação,
conhecimento e formação literária, por extensão enriquecimento intelectual dos
leitores. Machado fez das citações e alusões autorais e bibliográficas, meios,
instrumentos e caminhos para, além de
informar e formar o leitor sobre esses autores e essas obras, ‘atiçá-lo’
e o induzir a encontrar importantes paralelos e significados nos textos que lhe
são expostos.]
□ os
5 autores de maior incidência
_______________
incid.
quantit. \
autores
__________________
126 Shakespeare
[ou 174 vezes considerando
as 48 vezes (Malvolio, personagem de “Noite de Reis”) na série “Gazeta
de Holanda”]
86 mitologia clássica
66 Homero
62 Moliére
59 V. Hugo
__________________
e tem 3
de suas obras entre as 10 mais citadas
86 mitologia clássica
63 Bíblia [---]
43 Os Lusíadas
[Camões ]
35 Hamlet [Shakespeare]
.
27 Ilíada [Homero]
20 Romeu e Julieta
20 Divina Comédia [Dante]
20 Dom Quixote [Cervantes]
18 Otelo [Shakespeare]
17 Odisséia [Homero]
Além de compor a (dilapidada,
post mortem...) biblioteca pessoal de Machado com Shakespeare Oeuvres
complétes. Tome premier-dixiéme ( Paris, Librairie Hachette, 1867),
The handy volume. Vol..
I-XIII.(London, Bradbury, Evans, and Co, 1868), The beauties , by the Late Rev. William Dodd, L.L.D ( London C.
Daly, 1839).
A marcante influência de Shakespeare em Machado,a par das diversas
incidências quantitativas, revela-se especialmente no próprio tom\teor,
essência temática shakespeariana – o hamletino ‘ser ou não ser’ ; o ciúme; até
mesmo a insinuação (ou inevitabilidade) do adultério....
Se, p. ex., é comum – a partir do estudo de Helen Caldwell –
considerar Otelo a maior, preponderante,
quase exclusiva[sic] referência e recorrência
em Dom Casmurro, a meu juízo na verdade o âmago
referencial está essencialmente em Hamlet – vale dizer, no exercício da dúvida
(que afinal é o que o ‘ser ou não ser adúltera’ de Capitu,denunciado pelo
ciumento Bentinho, ele o narrador, portanto não-confiável, é transmitido ao
leitor, Machado instigando-o a praticar esse exercício...) , de resto – assim
como em toda obra de Shakespeare --- o elemento capital na ficção machadiana:
dúvida que alimentará e gerará a dificuldade da escolha,recorrente e permanente
nas personagens de seus contos e romances, mormente na mulher
Tanto um como no outro, o tema principal pode ser uma história de
amor, mas no fundo as condições sociais – e\ou políticas, ou econômicas –
acabam por exercer função e efeito especiais na consecução ou irrealização do
idílio. Nos contos e romances machadianos, nas peças shakesperianas embora o
tema e a ação seja de um romance, há sempre elementos e vetores de ordem social
política ou econômica..
Seus personagens e
protagonistas são das classes mais elevadas, a classe trabalhadora e
proletariado não compõem seus elencos (e ambos foram criticados por um suposto
– e equivocado...- esnobismo).
Ambos viveram em
sociedade aristocráticas, oligárquicas, de elites dominadoras, em Machado, patriarcal e patrimonialista. Ambos criticavam
e ironizavam abusos de riqueza e de
poder e privilégios. E eram conscientes das complexas interações sociais
desses cenários.
Ambos compreendiam
perfeitamente a verdadeira natureza do dinheiro.
_____________
Cervantes, por sua vez, aparece na obra de Machado com
incidência quantitativa mais modesta : tem ele 24 citações e Dom Quixote aparece em 20
menções – o que não significa
necessariamente menos significância qualitativa[Em muitas das alusões e
recorrências o que mais importa não é o registro propriamente dito, o informe
da obra ou do texto em si, mas a leitura, a interpretação machadianas da obra
ou do texto, e então transmitida ao
leitor – quer a nível macro-textual quer a nível micro-textual, quer de ‘leituras oblíquas’ e influências ‘subterrâneas’ (aqui tendo em
mente o que o crítico e ensaísta
(norte-americano) Harold Bloom cunhou de ‘angústia da influência’, por força da
qual obras e autores embora pouco ou
menos citados formal,explicita e quantitativamente exerceram marcante e
decisiva importância no escritor que os cita, números importando pouco face às
ações intertextuais de formação e influência exercidas por autores e obras ] :
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