domingo, 16 de março de 2014

José de Alencar e a Mulher: ode aos perfis femininos

ainda pelo "mês da Mulher" -- que não é apenas março, mas devem ser todos.
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 Ao lado de Coelho Neto e Olavo Bilac (e um tanto de Joaquim Manuel de Macedo), José de Alencar é um dos mais ‘injustiçados’ autores brasileiros , apesar de seu  excepcional valor literário ( inclusive quanto  à criação e defesa de uma “língua literária brasileira”, inserida no grande projeto de nacionalidade cultural dos românticos do século XIX).
Mas em tempos recentes, felizmente, denota-se um merecidíssimo, e obrigatório, reconhecimento. Importante que, inclusive – e essencialmente -- se reporte  a Alencar neste 2014 de seus 185 anos de nascimento (1.º maio 1829).

Nenhum escritor brasileiro foi (e é) tão versátil e eclético como Alencar, autor de romances (urbanos, indianistas, históricos, de costumes ), novelas, teatro, poesia, ensaios, artigos jornalísticos, memorialística. Nenhum escritor elevou o Romantismo literário brasileiro a  escalas  quantitativas e qualitativas como ele. E quase nenhum de seus contemporâneos (obviamente à exceção, preponderante, de Machado de Assis) soube, qual Alencar, captar e retratar tão bem o tempo histórico-político-social-cultural  do século XIX, no País.
A vasta obra ficcional de Alencar abarca toda a realidade brasileira : o indianismo , presente O guarani, Iracema e Ubirajara ; o urbanismo, retratado por A viuvinha, Cinco minutos, Lucíola, A pata da gazela, Diva, Sonhos d'ouro, Encarnação,  Senhora ; o regionalismo, expresso em O gaúcho, Tronco do ipê, Til , O sertanejo; o ao romance histórico, com As minas de prata, A guerra dos mascates, Alfarrábios.
Sobremodo a se destacar o quanto seus”perfis de mulher”,  em Cinco minutos e A Viuvinha -- suas primeiras obras ficcionais, publicadas respectivamente em 1856 e 1857 -- Lucíola, Diva, Senhora, A pata da gazela, Sonhos d'ouro — deram nova vida ao  romance urbano brasileiro.
Nas duas novelas iniciais Alencar põe mais alta a essência da feminilidade, mas  traçando o perfil da “mulher cordial,romântica, idílica”, distinto da “mulher cerebral”, depois desenhado em Lucíola e mais adiante  com rigor e plenitude em  Senhora --- para mim o melhor romance alencarino e uma das grandes obras da literatura brasileira.

Com Cinco minutos e A viuvinha, Alencar inaugurou a série de obras em que buscava retratar (e questionar) o modo de vida na Corte, construindo um painel da vida burguesa oitocentista -- costumes, moda, regras de etiqueta -- tudo entremeado por enredos onde amor e casamento são a tônica, neles circulando padrinhos interesseiros, agiotas, negociantes espertos, irmãs abnegadas e outros tipos coadjuvantes nos dramas de amor enfrentados pelo par amoroso central; em todos, a presença constante do dinheiro, provocando desequilíbrios que complicam a vida afetiva dos personagens e conduzindo basicamente a dois desfechos: a realização dos ideais românticos ou a desilusão, numa sociedade em que ter vale muito mais do que ser : em Senhora,  o exemplo perfeito e magistral , a heroína arrisca toda sua grande fortuna na compra de um marido; Emitia, a protagonista de Diva, busca incansavelmente um marido mais interessado em amor que em dinheiro; em Sonhos d'ouro, o dinheiro representa o instrumento que permitiria autonomia de Ricardo e seu casamento com Guida; em Lucíola,  a prostituição como tema e mote  mostra a degradação a que o dinheiro pode conduzir o ser humano.
 Também no teatro Alencar tratou da mulher – e no caso de modo polêmico: em 1858, três dias após a estréia, a peça “As asas de um anjo” foi proibida pela censura, que a considerou imoral : tendo como personagem central uma prostituta regenerada pelo amor [p.s.: no mesmo ano, mas três meses antes, Machado publicava no – importantíssimo ( sabem todos do meu estudo e pesquisa obstinada a respeito) – jornal O Parahyba, de Petrópolis, o histórico poema “Vem!”, pioneiro no presumir a regeneração da prostituição pelo amor], o enredo ofendeu a sociedade ainda provinciana de então. (o paradoxal é que o tema era popular e aplaudido no teatro da época, em muitas peças estrangeiras;  Alencar reagiu, acusando a censura de proibir sua obra pelo simples fato de ser ''. . . produção de um autor brasileiro. . .''-- mas sua reação mais concreta viria quatro anos mais tarde, com  Lucíola,em que o tema é retomado).
A reverência exigida por Alencar e sua obra expressam-se nas sábias  palavras de Machado de Assis :
"Quando entrei na adolescência, fulgiam os raios daquele grande engenho: vi-os depois em tanta cópia e com tal esplendor, que eram já um sol quando entrei na mocidade. Gonçalves Dias e os homens do seu tempo estavam feitos; Álvares de Azevedo, cujo livro era a Boa Nova dos poetas, falecera antes de revelado ao mundo. Todos eles influíam profundamente no ânimo juvenil, que apenas balbuciava alguma coisa; mas a ação crescente de Alencar dominava as outras. A sensação que recebi no primeiro encontro pessoal com ele foi extraordinária: creio ainda agora que não lhe disse nada, contentando-me de fitá-lo com os olhos assombrados do menino Oleine ao ver passar Napoleão. A fascinação não diminuiu com o trato do homem e do artista. Quem o lê agora, em dias e horas de escolha, e nos livros que mais lhe aprazem, não tem idéia da fecundidade extraordinária que revelou tão depressa entrou na vida.
 José de Alencar escreveu as páginas que todos lemos, e que há de ler a geração futura. O futuro não se engana.”


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